quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Azub Bufo - uma reclinada para o dia-a-dia

A primeira vez que vi uma reclinada foi no longínquo ano de 93, num Inter-rail quando passava pelos países baixos. Eram bicicletas estranhas para mim, onde o ciclista ia quase deitado, a pedalar por vezes muito baixo e ainda por cima com guiadores por baixo do selim. Selim que não era selim, mas sim uma autêntica baquet desportiva. As reclinadas ou recumbentes na língua de Shakespeare, eram para mim, o que provavelmente são para muitos, algo freak no mundo das bicicletas, um capricho de alguns ciclistas que não contentes com o design quase perfeito da bicicleta “normal” (o quadro em diamante ou safety bike), queriam algo diferente, sobressair da massa e andar em algo sui géneris.

Foi só no passado ano de 2011 que li um livro sobre estas bicicletas - The Recumbent Bicycle, de Gunnar Fehlau -  e fiquei a aprender que as reclinadas por si só são um mundo!


Bem tentaram colocar uma míuda gira (vá) na capa,
mas o pormenor da meia branca com sandália não ajuda a vender ;o)

O livro relata desde a história das reclinadas, os princípios de física que levaram a esta geometria, a questões de ergonomia, a sua eficácia, a utilização em competição e no dia-a-dia, etc., etc. É muito completo e super interessante. Fiquei a saber, por exemplo, que nas reclinadas o factor aerodinâmico é tão preponderante que é possível acrescentar peso com uma mala em forma de gota ou um vidro e ganhar velocidade ou tempo. Já nas bicicletas quadro de diamante, para ganhar eficácia tens de trabalhar mais no peso (e resistência) dos materiais, o que retirava competitividade a pequenas empresas na competição, acabando por apostar nesta geometria. Estes pequenos produtores importunavam tanto, que a UCI acabou por retirá-los da competição, homologando apenas bicicletas standard. Aliás, em corridas mistas, que acontecem hoje em dia pela Europa e Estados Unidos, as reclinadas têm muito sucesso. Já a posição de condução mais relaxada permite andar mais com menos esforço e menos cansaço, nomeadamente nos punhos, pescoço e costas. E a quantidade de bicicletas e triciclos diferentes que existem? Desde altos, a baixos, com roda à frente da pedaleira, outras atrás, com duas rodas à frente ou duas atrás no caso dos triciclos. Há para todos os gostos e feitios, que o diga o Bruno Botelho, que tem um excelente post na língua de camões sobre as reclinadas.

Até onde podem chegar as reclinadas!

Toda esta informação começou a inquietar-me e decidi que tinha que experimentar uma. Foi quando vi uma AZUBBufo na Cenas a Pedal e decidi alugá-la para um drive-test à minha maneira. Para começar, esta reclinada vinda da Republica Checa é LINDA.

Bandeiras ao alto!
Muito bem feita, é composta por um tubo único de onde deriva o eixo traseiro a partir de metade, e em cujas extremidades saiem o suporte de bagagem e o eixo pedaleiro. Isto permite adaptar a bicla a ciclistas de várias estaturas (de 1,5m até 2m segundo o site). O banco também é adaptável em dois pontos permitindo afastá-lo mais ou menos dos pedais, assim como levantar ou baixar mais o banco. Vem com rodas de 20”, para melhorar a agilidade em cidade e os arranques, e um guiador do tipo “hamster”. Outro capítulo em que as reclinadas são mestres em leques de opções é no guiador: “à super-homem”, “tipo hamster” ou por “baixo do assento”, são as que me lembro assim de repente.
O IPS - ou Ideal Position System...

...significa que é possível escolher
entre milhentas combinações.

Peguei na bicla, sentei-me e tentei pedalar. É como aprender de novo a andar. Para já convém termos uma mudança baixa e começarmos numa zona calma. Lá estava eu no Rato, uma via a subir e extremamente concorrida! Mas vá. Dei uma, duas pedaladas e depois de encarreirar dá para continuar. Cada pedalada obrigava o corpo a contrabalançar o que resultava num ziguezaguear irritante. O facto da Bufo ser uma SWB (Short wheelbase, ou seja tem a roda da frente entre o assento e o eixo pedaleiro) e ainda por cima ter a direção direta direta à roda, quer dizer que é extremamente nervosa.

A posição da roda da frente.

Cheguei à rotunda da Estrela e subi até parar no semáforo. Estava cansado dos braços por causa do guiador tipo hamster. Andava com os braços como um T-REX, o que é cansativo, mas tinha a vantagem de ser bastante semelhante a um guiador standard (acreditem, quando se começa a pedalar numa reclinada em que tudo é diferente, qualquer semelhança com as biclas a que estamos habituados desde míudos é uma tábua de salvação). E tinha outro problema para mim. O guiador rebate para que se possa sentar sem obstáculos. Isto quer dizer que não podemos utilizar o guiador da mesma forma que noutra bicla, ou seja para empurrar quando não pedalamos, etc. e a força do hábito é tramada.
O pormenor das mãos à T-REX!

Assim lembrava-me que o guiador não é fixo!

A primeira reação que tive no semáforo, enquanto descansava e tentava conter toda a alegria misturada com nervosismo de estar a experimentar um brinquedo novo, foi de ser alvo dos olhares de toda a gente. Uma reclinada não é aconselhável a tímidos. Eu que estou habituado a que estranhem a xtra e façam perguntas já me estava a sentir incomodado. Do semáforo segui para a Infante Santo: aquela mega descida foi surpreendentemente divertida com a azub obstante a roda ser nervosa, o guiador cansativo e eu estar demasiado deitado para o meu gosto. As “bocas” começavam a ser refinadas: “ó alentejano”, “assim também eu”, “deitado é que é”, etc. (como se andar deitado me livrasse de pedalar!).
Alentejano?

Chegado a Alcântara decidi apanhar o comboio. Uma bicla para o dia-a-dia que se preze tem de ser compatível com os transportes públicos. O tamanho das reclinadas é, regra geral, superior às restantes, mas esta é uma SWB e tem rodas de 20’’. Resulta numa reclinada compacta, ligeiramente mais comprida que uma roda 26’’ “normal”. Duas coisas que temos que ter em conta: não existe um guiador alto e fixo para agarrar a bicla (o tal problema em que resolvi colocando uma serrilha de plástico para me lembrar que o guiador não era fixo). O ponto mais alto é o assento (a parte onde se pode colocar um acessório útil que é um suporte para o pescoço) e é aí que devemos agarrar. A segunda coisa é que ao rodarmos a roda, a frente não roda e é uma roda dentada ou um pedal. Muitos sustos preguei eu a outros utilizadores dos transportes públicos.

A Bufo nos transportes

Compatível, tal como uma bicla não reclinada.

Enquanto esperava pelo comboio admirava a bicicleta, da cor da areia. Esta vinha equipada com um suporte de bagagem e uma mala de generosas proporções e uma bandeirinha que ajudava a que nos vissem melhor. Tentei colocar o banco menos deitado e não tarda estava sentado tal e qual num carro e até o guiador cansava menos nos punhos. De salientar o conforto do banco, o conforto da posição que, não sendo tão alto como na outra bicla que tenho, permite visualizar perfeitamente bem o que nos rodeia. Aliás, estava à altura da maior parte dos condutores de carro. Olhar para trás é mais problemático, mas resolve-se com um pequeno espelho.

O espelho resolve o problema da dificuldade em olhar para trás.

Os pescadores ficaram a olhar para a ginga e pó "gajo que vai deitado".
(esta foto vendia melhor que a míuda da capa do livro não acham?)

O próximo desafio seria uma subida de respeito. Até casa tenho que palmilhar 2 kms de subidas que até se fez bem de reclinada. Segundo os ergonomistas, utilizamos os maiores músculos da perna nesta configuração, para além de que cada pedalada era apoiada nas costas pelo banco. Foi esta a razão principal para o invento da reclinada, seguida pelo conforto. Eu acrescentava a diversão: à medida que ia ganhando o jeito, mais divertido se tornava. E em linha recta ou descida notava-se o papel da aerodinâmica: era fácil esgotar as mudanças mais altas. Conseguia fazer médias superiores à bicicleta normal na Av. da Índia.

Num estacionamento em "U"
Recomendo vivamente que experimentem uma reclinada. Muita gente utiliza este tipo de bicicleta para desporto, pela sua eficácia, chegando mesmo a cobrir com uma pequena carenagem e bater recordes de velocidade. Outros tantos utilizam-na para viajar pois o conforto e a eficácia permitem que se circule mais com menos esforço.

Uma AZUB Bufo em viagem
outro modelo, sempre muita capacidade de carga e conforto!
No quotidiano é mais difícil encontrar afoitos desta geometria mas existem alguns. Esta bufo é uma proposta do construtor checo para esta realidade, oferecendo rodas mais ágeis e melhores para arranques nos semáforos, para além de acessórios úteis e robustos para o abuso diário.

Só falta a gravata...

A apontar o guiador, que substituído por um por baixo do assento deve ser muito mais confortável, apesar de me parecer mais frágil em caso de queda. Um assento em rede é capaz de ganhar pontos nos dias quentes onde uma maior ventilação é bem-vinda.
Experimentem e digam algo. (cuidado com o que põem nos bolsos) (não me perguntem como sei que a probabilidade de tudo o que tiverem nos bolsos cair é elevada). Fiquei tão fâ que estou a pensar em construir uma, mas de tração frontal, que me parece mais eficaz e mais fácil de construir!

Linda, não é?

5 comentários:

Bruno BA disse...

Grande artigo.
Obrigado pela partilha!
Já agora, podias indicar qual é o livro a que fazes referência?

Bruno BA disse...

Post fantástico!
Obrigado pela partilha de informação.
Será que podias indicar o livro sobre reclinadas a que fazes referência?

Gonças disse...

Viva.
Actualizei o post com a info do livro...realmente falar dele e não o mostrar é fatela!

Luis Mourahttp://www.simplesite.com/rotadacosta disse...

Excelente artigo!
Uma grande review, a cobrir todos os aspectos!
Antes de ler, só tinha dúvida nas subidas, mas ficaram plenamente esclarecidas!
Obrigado!
Abraço!

Luis Moura disse...

Excelente e divertido!
Uma review a cobrir todos os aspectos!
Fiquei surpreendido relativamente às subidas! Não imaginava!
Tenho de experimentar!
Obrigado!
Abraço!