O dia era para "bezerrar", mas acabou por ser bem diferente!!
A ideia era irmos à praia, comer, beber, explorar a zona e mais nada. Acordámos mais tarde do que o costume e deixámo-nos ficar a apreciar a preguiça. Estávamos com a porta da tenda aberta e a olhar para o céu na conversa, até que...começa a chuviscar.
Fecho a tenda para não nos molharmos. Ora bolas, com chuva já não dava para aproveitar tanto a praia e conversa puxa conversa, pensámos em ir a Espanha de bicla...ISSO MESMO! O plano tinha-se alterado (é a magia de viajar sem planos) e agora íamos a caminho de Espanha!
Levantámo-nos mal acabou de chover e aproveitámos o tempo cinzento para arrumarmos a bicla. Despedimo-nos do casal Inglês que tinha sido nosso vizinho e fizémo-nos à estrada. A senhora do camping confirmou-nos que da Salema para o Burgau dava para ir ao longo da costa.
Descemos até à Salema e seguímos um risco azul marcado na berma da estrada: era a marcação da eco-via do Algarve. Fizémos uma grande subida até encontrarmos uma tabuleta que indicava o fim do troço urbano da Salema da eco-via, o que significava que entraríamos num trilho bem batido a caminho do Burgau.
Íamos ao longo de uma ribeira a observar a carrada de sapos e/ou rãs a fugirem e umas Garças a tentarem apanhá-los (acho que eram Garças), quando vimos uma cadeira à beira da estrada a anunciar Alperces (ou Apricotes, como chamam no algarve, talvez um Anglicanismo). Estávamos com fome, pois não tinhamos encontrado nada aberto para comer e o resto da pizza da noite anterior tinha sido escassa ;o). Entrámos no terreno, a caminho da casa para onde o anúncio apontava. Fomos recebidos por 2 cães a ladrar seguidos por um gato curioso e pela dona, uma Inglesa descalça que vivia naquela casa sem electricidade. Dissémos que estavamos na vadiagem e que queríamos uns quantos alperces. A senhora ficou baralhada e perguntou se os queríamos gratuitos, se queríamos muitos ou poucos...estranhei, e disse que qualquer meio-kilo nos servia, pois de bicla também não podíamos carregar muito.
Fomos apanhar os alperces com o Gugas a devorar logo uma meia-dúzia directamente da árvore. Enchemos um saquito com o que ela dizia ser meio-kilo e pediu-me 50 centimos. A senhora achou piada ao gosto do Gugas pelos animais e foi apresentar-lhe as galinhas e sapos. Gostou do facto de viajarmos de bicla, for a CAR(E)-FREE WORLD. De repente, deu-lhe o "amoke" e foi a correr para dentro de casa pois tinha algo ao lume.
Nós também seguimos caminho e reparámos melhor na cadeirinha que estava a publicitar as alperces: afinal estavam lá vários sacos com meio-kilo de alperces para retirar e um copo para se colocar o dinheiro...daí o discurso estranho da senhora! duh.
Seguímos caminho pela "secante" N125 onde o Gugas dormiu nova sesta acordando no centro de Lagos ("Légues", para os locais ;o). Ficámos a comer um cachorro e a ver a animação no centro, com actuações de palhaços, homens-estátua, peruanos, etc.. Quando faltava cerca de meia-hora para o comboio partir fomos para a estação atravessando o rio numa ponte pedonal. O Gugas dizia que a bicla parecia um barco.
Chegado à estação como eu a conhecia, esta estava toda abandonada e destruída!! Que coisa...então onde é a nova estação de comboios? Era logo ao lado, mas o edifício era tão incaracterístico que não chamava a atenção visto de longe. É pena deixarem um edifício tão bonito e carregado de simbolismo ficar assim.
Comprei o bilhete do Regional até Faro. Perguntei onde podia pôr a bicla e lá começou a maior aventura da viagem:
A porta da carruagem de mercadorias estava à altura do meu peito, as escadas eram na vertical e a porta estreita como tudo. Uff. Lá retirei metade da tralha da bicla e carreguei-a a custo.
Lembrei-me das viagens de bicla quando míudo com o meu grupo de amigos, quando vímos um dia alguém a descarregar as nossas biclas agarrando-as pelos cabos dos travões!! inédito.
Sentámo-nos nos bancos mais próximos da bicla e ficámos a ajudar mais ciclistas que utilizam o comboio para fazer distâncias maiores. Viajámos até Portimão com um tatuador brasileiro que fazia aquela viagem várias vezes ao dia. Oferecemos-lhe alperces e fomos o caminho todo a ver revistas de tatuagens. O Gugas até escolheu umas e tudo ;o).
É impressionante a utilização da bicla no Algarve, mesmo sem condições como as de utilização do comboio (regional) para a transportar. É impressão minha ou há aqui uma falta de visão estratégica pela CP?? Acordem "senhuores"....se isto é assim sem condições imaginem como seria se as houvessem!!
Para irmos até Vila Real de Santo António como tinhamos planeado tinhamos de sair em Faro e mudar de comboio. Tinha ligado ao meu primo entretanto e tinhamos combinado irmos para casa dele. Nem pensar em entrar assim no comboio outra vez. Descarregámos em Faro, voltámos a montar tudo de novo e fomos a pedalar até Olhão.
Reparei que tinha partido um raio, provavelmente no trilho. A meio do caminho partiu-se outro e a bicla começou a andar toda bamba devido ao empeno da jante. Andei assim uns 2 ou 3 Kms até chegar a Olhão. Impressionante o número de gente a pedalar nas bermas da N125 entre Faro e Olhão. Perguntei se havia alguma loja de bicicletas e indicaram-me logo 3.
Parei na BICIESTOI na rotunda do cubo que recusou-se a fazer o trabalho. Aliás disse-me que não tinha mecânico.
- "Mas dizia reparação de bicicletas na montra"- indaguei.
-"Pois, mas a esta hora não tenho ninguém". O que é que 16h00 têm de especial para "ter" um mecânico na oficina??.
- "Se for preciso venho cá amanhã de manhã com a roda...afinal só preciso de 2 raios!!".
- "Ai..ao fim-de-semana também não tenho ninguém!"
- "FIM-DE-SEMANA?? Amanhã é Sexta-feira!".
Sai de lá de trás um senhor a defender a senhora do balcão a dizer que têm pouca gente e então só têm vendas e o mecânico só trata das biclas vendidas. Negócio é o que é, e ainda dizem que há crise. Mandaram-me para um senhor "que é jeitoso e é capaz de lhe safar".
Era uma loja de moto-serras e o senhor mal me viu enviou-me para um senhor perto dos TAXIS.
MAU MAU MARIA...isto ia bem! Já estava a pensar em comprar uns raios e mudar eu, afinal nem eram do lado da cassete. Prometi a mim mesmo que era o que faria se tivesse uma terceira "nega".
Quando chego ao terceiro mecânico o senhor olha para a minha bicla e entra em pânico a dizer "não, não, não". Que raio! (literalmente). Disse-lhe que EU tirava a roda e que a única coisa que ele tinha que fazer era mudar os raios e desempenar-me a jante. Lá aceitou, mas passou o tempo todo a dizer que não costumava fazer estes trabalhos...mas que raio...então que trabalhos costuma fazer??
Era uma loja antiga com fotos do senhor e outros a preto e branco com pasteleiras e outras biclas nas ruas de um Olhão de outrora. Ninguém empena rodas em Olhão?
Lá tirei a tralha toda da bicla e levei-a para dentro da loja, virei-a ao contrário e tirei a roda. O senhor não tinha chave para me tirar o disco!! (eu também não tinha, se quisesse mudar o raio sozinho). Um senhor que lá estava a conversar foi ao carro e saco um conjunto do LIDL com as ditas chaves. A partir daí foi trigo-limpo. Mudou os raios e desempenou à "unha".
Chegou um cliente para pedir para trocar uns pneus a umas rodas que trazia. Ainda me ofereci para fazer a troca para matar tempo mas o senhor não quis. No fim para pôr a roda na bicla tive que intervir, pois estava a ver que o homem me partia o disco!!
"CALMA HOMEM, que o disco tem de caber entre as pinças...". A segunda aventura do dia e a segunda maior da viagem..IRRA.
Quando vou a pagar o homem crava-me 7,5€...incha. NUNCA MAIS. Tenho que reforçar as rodas.
Para nos vingarmos fomos a um "boteco" que conheço no mercado de Olhão e atacámos uns caracóis, conquilhas e ameijoas..maravilha!
Fomos ter com os nossos primos onde passámos a noite e ficámos a conhecer a priminha mais nova da família! Ainda mais nova que a mana do Gugas, mas também Mariana.