O despertador tocou cedo. Calei-o e virei-me. Acabei por acordar bem mais tarde do que planeei. Saí de casa às 7h30, com a bicicleta carregada em direcção à casa do IVO para ir buscar emprestada uma bolsa para o guiador.Lá estava o Ivo a dormir perto da janela e lá fui eu acordá-lo. Desgraçado! Emprestou-me a dita bolsa que eu prendi na altura ao guiador. Despedi-me dele e fiz-me à estrada às 8h15m.Lá ia em direcção a Algés para fazer o caminho que faço diariamente até ao Cais do Sodré e depois subir até à EXPO.
Que seca, sempre o mesmo caminho pensei. Pera lá...estou de viagem, estou livre, vou fazer outro caminho. Ainda não tinha começado a descer, e foi então que virei a agulha e fiz-me em direcção a Carnaxide, Portela de Carnaxide, Alfragide, Parque de Campismo, ciclovia da radial de Benfica. Aqui ao ver a carrada de carrosque circulavam na 2ª circular deu-me um arrepio na espinha por pensar que estava completamente fora daquele reboliço. Não tinha horários, destino certo, estava mesmo livre!
Daqui segui até à Serafina, Torres Gémeas, Mesquita de Lisboa, Praça de Espanha, Av. de Berna, Av. da Republica, Av. da Igreja. Esta parte de Lisboa sempre me atraíu. Passei por trânsito, poluição, confusão e naquele bairro conseguimos estar mais calmos, envoltos no silêncio possível, ainda dá para ouvir uns passarinhos,mas os inevitáveis carros estacionados estão lá! Passei pelo mercado e a vista para uma esplanada deu-me vontade de contemplar aquele oásis urbano, mas o resto da minha mente estava no caminho do Tejo e decidi adiar aquele desejo. Continuei a jornada e peguei a Av. do Brasil até ao relógio e daí em direcção à (antiga) Batista Russo.Na primeira rotunda, uma senhora vem disparada do centro da rotunda e sem calcular muito bem o meu andamento, passa-me uma razia que, se não travo a fundo levava-me de boleia no capot até ao seu destino. Foi outro arrepio na espinha, mas este acompanhado por suores frios! Segui quase sem pedalar até ao extremo sul da àrea de intervenção da EXPO. Segui pelo interior da mesma até à Pala do antigo pavilhão de Portugal. Aqui supostamente começa o caminho do Tejo, parte integrante dos caminhos peregrinos até Fátima e Santiago de Compostela.
Fui sempre pela costa até à Foz do Trancão onde encontrei o primeiro marco do caminho. Daqui segui ao longo da margem direita do rio até à ponte que o atravessa em direcção à Bobadela. Ao sair da ponte reparo que o caminho sai da estrada.
Fiquei contente, pois não me estava a apetecer subir pela Bobadela acima. O caminho passa por um parque de estacionamento, um estradão em tout-venant e depois trilho.Passei por baixo do viaduto da A1 e fui tranquilamente seguindo o leito do Trancão passando por pequenas explorações agrícolas e trilhos de BTT bem porreiros. Cruzei-me com uns quantos BTTistas que se divertiam e me desejavam boa viagem. O caminho foi sempre assim até uma pequena povoação já perto de Vialonga. Aqui não vi nenhum marco com azulejos ou as setas amarelas que marcam o caminho e decidi ir em direcção à estrada. Aqui segui para norte e no primeiro semáforo partiu-se um raio! Um já se tinha partido faz 2 dias e este era exactamente do lado oposto. Fui até Alverca com a roda toda empenada e pelo caminho errado. Devia ter virado para a Póvoa de Santa Iria e daí até Alverca, acabei por passar pela Sagres, pela entrada para a AE e por um viaduto até à EN10 e Alverca. Sem crise.
Parei na "Moto-avenida de Alverca", após conselhos de locais. Uma loja simpática onde viciados e simpatizantes da bicicleta se reuniam em amena cavaqueira com o sr.....(raisparta a minha memória para nomes) que ia fazendo uma revisão a uma "magrela". Disse-lhe que estava de viagem (é um estado de espírito) e que precisava que me safasse. Disse que não vinha na melhor altura, mas que safava sempre quem estava de viagem! 5 estrelas. A conversa "embicou" nesse sentido e fiquei a saber que um Alverquense tinha acabado de chegar do "
Cape Epic" e a sua t-shirt estava lá estampada. Pediu-me 1€ pela reparação, ao qual lhe respondi com 2€, sendo que tinha que ser usado num café a pelo menos 100kms dali e num passeio de bicla ;o).
Logo ao lado estavam 2 velhotes a depenar uns pombos, "para o petisco", e a seguir bebi um cafézinho numa pastelaria simpática. Aquela rua de Alverca ficou no meu coração.
Segui caminho que se fazia tarde. Fui na N10 até Vila Franca de Xira. A proibição da passagem de camiões nesta cidade é uma maravilha, pois naquela estrada apertada e ladeada de instalações fabris, não são os nossos melhores amigos. Tirei uma foto à frente da Taurina, numa montagem onde o toureiro de bronze faz a lide à minha GT Timberline, a "Timberlina" ou "Lina" para os amigos. eheh
Ia seguindo as setas e sentia-me perseguido pela moça da Coca-cola que, de bikini e num cenário idílico, propunha beber esse refrigerante com gelo e limão! Consumir hasta morrir e é bem verdade. Na minha cabeça a sensação de beber uma coca-cola com limão ia ganhando forma.
Cruzei-me com outro ciclista a viajar que seguia de tronco nu e sem capacete. Acenou-me, continuando a sua cadência rápida em direcção a Lisboa, ao qual respondi. Ia-me fazendo perder um marco que perto de um Lidl nos aponta em direcção ao rio e a uma estrada secundária ao longo do caminho de ferro.
Ia num ritmo agradável. Apanhei um empedrado e virei numa ponte sobre um pequeno ribeiro poluído com a central eléctrica do Carregado à vista. Aqui já se viam campos agrícolas e montes de tomates nas bermas. Passei por uma fábrica de concentrado de tomate e o número de camiões e tractores carregados era brutal. Estavam à espera para poderem entrar e descarregar.Parei perto de um e perguntei se me podia ver uns quantos, na esperança que mos desse. Respondeu que os tomates eram para a fábrica. Ora toma. Devia estar mal disposto, mas eu não e nem liguei.
Passei pela Opel da Azambuja desmantelada que tinha visto na TV e numa rotuna virei à direita em direcção à REAL VALA. Entrei na Lezíria Ribatejana e bem se notava. O fluxo de trânsito diminuiu drasticamente e o cheiro no ar já estimulava o olfacto.Tirei uma foto em cima da ponte que cruza a real vala e deu-me para ver lá em baixo, na berma um dos marcos. Olha...vai por fora de estrada! nice! Pouco depois da ponte virei num estradão e segui as setas. Se não tivesse parado para a foto era capaz de não ver este caminho! Nos relatos que li na net não falavam nisto! Porreiro.
Fui sempre pelo meio de tomatais, milheirais, apanhei uma molha de um aspersor e passei por uma zona inundada, onde os pára-lamas fizeram o seu serviço. Fui à chinchada do tomate (ORA TOMA), e reparei que a recolha do tomate feita industrialmente arranca os pés do tomateiro sem dó nem piedade, é sempre a abrir!
Já havia muita mosca chata e uns agricultores simpáticos que quase viravam o tractor ou pickup para nos deixar passar! Fui sempre com um sorriso na face até à Valada. Pelo caminho encontrei 3 bicicletas carregadas e paradas num café! Não parei. Estranho, mas algo me impelia para a Valada, para uma banhoca no rio e não dava para parar. Lá dei à campaínha e acenei. Hei-de apanhá-los pelo caminho, pensei.
Chegado à Valada já se tinha levantado um vento desagradável e ficou muito nublado! Procurei un sítio porreiro para tomar banho. O número de moscas era insuportável, o vento roçava o irritante e as nuvens tiravam a "pica" do banho. Bolas, eram 14h00m e tinha feito 100Kms, vou ao menos beber uma coca-cola com limão em resposta ao estímulo da modelo dos outdoors. Comi uma sopa e uma talhada de melão, bebi uma coca-cola E NÃO HAVIA LIMÃO! Raios, assim a coca-cola não me soube bem. Mas soube o resto e a "jibóia" estava a subir. UI, uma sesta agora sabia mesmo bem. A mim e ao senhor "bigodudo" que estava na outra mesa que estava a marcar uma carrada de golos de cabeça ahah.
Fui para o recinto da praia fluvial para me esticar. Não consegui, as moscas estavam moles e chatas. Continuei caminho devagar, devagarinho. Cruzei-me com 4 miudos de bicla que me perguntavam se eu queria trocar de bicla. "Pelas quatro?" - perguntei. "As 4? e ficávamos apeados??" - responderam. ahaha.
Siga que estava a rolar confortável. Parei num campo cheio de fardos de palha com Santarém ao fundo. Deitei-me num fardo e estava confortável. Aqui havia menosmoscas e as que haviam eram mais toleráveis que as da Valada. Ainda arrochei uma boa meia-hora até aparecer um tractor de...adivinham? Sim, de recolha de fardos de palha.
Nos tais relatos do caminho que lera na net sabia que o caminho em Santarém estava mal marcado ou era mesmo ausente, e que não era fácil segui-lo perguntando aos locais. Comecei a subir para a cidade depois de uma passagem inferior em Omnias, quando surpresa das surpresas encontro uma seta amarela!Uma alma caridosa encarregou-se de marcar o caminho para eliminar esta grande lacuna! Fui seguindo as setas e às tantas parecia que estava a fazer um percurso turístico pela cidade e ia em direcção às portas do sol. Tinha feito aquele percurso na passagem do ano, o que me dava uma sensação de déjà vu brutal. Comecei a duvidar do real objectivo das setas e já pensava no exemplo do camiño de Santiago onde váriaslocalidades se "pelean" para que o camiño percorra as suas ruas. Ao chegar às portas das portas do sol, as setas levam-me até a um arco gótico onde uma tabuleta indicava de que estava na porta de santiago e que o que se seguia era o caminho medieval de Santiago e Salinas! Olha...peguei um caminho antigo para Compostela, será?
Sei que o caminho começou a descer abruptamente enquanto se entrava numa mata. O caminho eradigno de uma prova de downhill de BTT e estava a ser limpo por funcionários da Câmara. Fui ter quase ao mesmo sítio de onde tinha entrado em Santarém. Estava perto da "praia de Santarém". Continuei a seguir as setas e voltei-me a perder delas e estava de novo a entrar em Santarém. Ui.
Voltei a subir e fui andando até pegar uma estrada que foi dar à fábrica de cerveja do Sousa Cintra, após ter perguntado a um bombeiro se estava nos caminhos de Fátima. Fui dar a uma rotunda. No mapa podia optar pela N3 ou por outra bem mais pequena e cénica. Optei por esta última até porque no mapa dos caminhos de Fátima que eu tinha haviam 2 paralelos, um pela N3 e outro pelas aldeinhas e uma delas situava-se no meio das duas estradas. Ainda liguei ao Ivo para confirmar isto e acabei por seguir. Em Amiais de baixo, confirmaram-me que era por ali o caminho e lá encontrei um marco.
A partir daqui o caminho é extremamente agradável, por estradões, casas isoladas e algumas aldeias. O sol estava quase a descer e tinha que procurar lugar para dormir. Após conversa com um taberneiro fiz 2 Kms para trás numa estrada de alcatrão para tentar encontrar uma igreja. Ao estranhar não encontrar a igreja perguntei a uns senhores que estavam a vender melão pela terra indicada. Foi-me dito que não existia!! Contei-lhes que estava a fazer o caminho e que queria encontrar um lugar para dormir. Apontaram-me um clube de tiro que alugava quartos. "Alugar quarto? Para mim basta um cantinho para montar a tenda" - respondi. "Ai é? então fica já aqui". O sr. António de D. Fernando foi um porreiraço. Deixou-me montar a tenda atrás de umas paletes de melão para me proteger do vento. Ajudei-o a carregar umas quantas paletes de melão num camião e depois fui montar a tenda e fazer o jantar. Ofereceu-me melão equeijo fresco da vizinha. Pôs-me à vontade para usar a àgua de uma fonte comunitária que até tinha as contas da àgua escrita a lápis num papel lá colado. 5 estrelas.
Pouco depois chega o meu cunhado de carro com a minha cunhada e sobrinho. Tirámos a bicla do tecto e montámos os alforges. Despedímo-nos da malta e o Tó foi montar a tenda e fazer o seu jantar. Á noite fomos visitar D. Fernado, beber um cafézinho e uma ginja e ver uma competição de chinquilho.Isto rodeado de uma paisagem brutal de luzes imensas e uma esfera celeste simplesmente espectacular! Tinha feito 140Kms, estava cansado, mas altamente satisfeito. Toca a dormir que amanhã há mais.